Entre as Ruas de Manhattan e as Ruas de Belem do Para
Este post sensivel, pratico e pessoal, repleto de sentimentos super honestos foi feito pela convidada do Vida Pratica Judaica, a blogueira do Roteirista da Yeshiva, Nina Avigayil Lobato
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Entre as Ruas de Manhattan e as Ruas de Belem do Para
Por Nina Avigayil Lobato
"Então você é uma hebreia?", perguntou a minha professora da faculdade
usando os termos de uma certa novela popular sobre a história do êxodo do Egito.
"Não, eu sou Judia" Eu respondi com o máximo de naturalidade que eu
consegui reunir em mim.
Por que eu precisei reunir o máximo de naturalidade para dizer para alguém
que não é Judeu que eu sou parte do povo de Israel? Porque eu me converti ao
Judaísmo, há pouco tempo, então para mim é muito difícil superar a necessidade de completar essa informação com uma breve explicação sobre conversão ortodoxa ao Judaísmo.
Se converter ao Judaísmo não é fácil e eu não desejo as dificuldades que eu
passei para ninguém. Foram cerca de quatro anos estudando, estudando, chorando, sorrindo, viajando, estudando, estudando, mudando o guarda roupa, aprendendo palavras novas, idiossincrasias da comunidade ortodoxa, como se comportar na sinagoga e novos hábitos alimentares.
Não é fácil. Hoje eu entendo aqueles que tentaram me desencorajar e que antes eu via como nuvens negras de chuva num caminho que, naturalmente, não é calmo e ensolarado - especialmente não no Brasil.
O caminho da conversão ao Judaísmo tem muitas pessoas com histórias lindas, textos belíssimos, pessoas horríveis que destroem a sua autoestima, rabinos
inspiradores, rabinos ignorantes e choques de realidade. É sobre um desses choques de realidade que eu quero escrever para você hoje.
Lugares e pessoas te modificam. Eu voltei outra pessoa da experiência que
vivi em Israel, algo em mim se modificou em decorrência das histórias que eu ouvia na sinagoga e o meu mundo se expandiu quando eu fui estudar em um Beis Midrash nos EUA. Sim, eu falo Beis Midrash (em vez de BeiT Midrash), porque apesar de frequentar uma sinagoga sefardita, os textos que eu leio e as minhas referências na literatura Judaica são ashkenazim.
Os choques de realidade se dão quando você experimenta dois mundos
totalmente diferentes, com pessoas e ideias diferentes, em um curto espaço de tempo. O meu mais recente e forte choque de realidade se deu quando passei um verão em um Beis Midrash em Manhattan (uma capital da cultura Judaica mundial) e, em seguida, retornei para a cidade onde eu moro (a periferia da periferia da cultura Judaica mundial).
Em Manhattan, uma ilha no coração de Nova York que abriga a comunidade
Judaica Ortodoxa Moderna da cidade, eu conheci uma variedade enorme de Judeus.
Eu conheci uma moça OTD (off the derech, ou seja, que queria deixar de ser religiosa e deixar a sua comunidade ultra-ortodoxa do Brooklyn) e, com ela, eu pude ter uma conversa sincera sobre ser jovem e ser mulher dentro da comunidade Judaica Ortodoxa.
Eu conheci uma moça religiosa de lindos cabelos ruivos com quem conversei sobre
literatura Judaica, sobre educação para mulheres e sobre tznius.
Eu conheci uma moça judia secular que não cumpria casher ou guardava Shabbat, mas que era apaixonada pelo estudo do Talmud.
Eu conheci uma moça ashkenazi, casada e que cobria seus cabelos como uma Judia sefardita Dati Leumi (religiosos nacionalistas que cobrem seus cabelos com lencos ou parcialmente com chapeus) de Israel, mas que ia na sinagoga yeshivish aos Sábados com uma peruca e um chapéu (para deixar bem claro que ela usava peruca, jah que em comunidades yeshivish usar peruca eh a "lei").
Eu conheci uma professora de Talmud que me marcou como um exemplo do que eu, como mulher judia, posso alcançar dentro da comunidade ortodoxa e do quanto a educação pode dar beleza, força e independência às mulheres judias.
Eu também conheci um rapaz Judeu lindo, que frequentava a sinagoga ortodoxa da esquina, morava no mesmo prédio que que eu estava hospedada, e que pegou o mesmo elevado que eu após o Shabbat para retornar ao seu apartamento – com o qual eu tive uma conversa curta, rápida, boba, mas que me marcou porque ele foi o primeiro garoto Judeu pelo qual eu me senti atraída.
Além disso, em Manhattan, eu vi um mundo no qual muitos Judeus tinham um alto nível de instrução e no qual ninguém ficava te avaliando para determinar o seu nível de observância ou se, na sinagoga na qual que você ia, havia um rabino
suficientemente ortodoxo.
Era um mundo no qual as jovens judias que participavam das atividades do Kollel perguntavam coisas como: "Você é sionista?", "Você cumpre tznius porque você gosta ou para que os outros tem essa ou aquela imagem de você?", "Como
você avalia a própria menção do ritual da sotá na literatura Judaica? (este ritual eh descrito na parasha Naso)", "Quais os benefícios das práticas de ensino relacionadas ao outwards judaism e ao inward judaism?"
Não me entenda mal, existem vários problemas na comunidade judaica de
Nova York. Um pouco antes da minha chegada à Big Apple uma moça judia que havia abandonado uma comunidade ultra-ortodoxa judaica havia se matado na região de Manhattan e havia uma intensa discussão a respeito das eleições americanas que demonstravam claramente as divisões políticas da comunidade judaica da cidade.
Contudo, foi uma experiência de liberdade enorme para alguém que tinha terminado o seu processo de conversão ortodoxo há apenas algumas semanas.
Eu nem soube o que fazer com tanta liberdade física, espiritual e intelectual, na verdade, eu nem sequer tinha a autoconfiança para conseguir caminhar naturalmente pelas ruas do Upper West Side.
Essas ruas que me ensinaram que eu era Judia como qualquer uma daquelas meninas que estavam no Beis Midrash comigo.
Então, veio o choque de realidade.
O avião me trouxe para essa cidade quente, úmida e sem tanta liberdade chamada Belem do Para. Aqui eu encontro apaixonados pelo Kiruv do Chabad, um Centro do Chabad que estimula intensos debates, uma sinagoga sefardita
belíssima de cair os queixos, quase nenhum livro sobre Judaísmo nas prateleiras das minhas livrarias favoritas, nenhuma musa fashion praticando tznius (eu preciso de uma Fabulously Frum ou Flatbush Girl para me inspirar), pouquissimos apaixonados pela literatura religiosa Judaica, nenhum Beis Midrash, estereótipos sobre o que é ser um judeu religioso ortodoxo, nenhuma menina religiosa feminista que lê os argumentos do Rabino Sperber sobre partnership minyan ou algum livro da Tamar Ross, e dois Rabinos Sefarditas apaixonados pela cultura Sefardita Marroquina e com os quais se pode ter uma conversa intelectualmente honesta sobre Judaísmo. Ok. Está longe de ser o
pior lugar do mundo, mas é o local no qual eu não sou a Avigayil that knows a lot about – and can teach you - philosophy and literature, likes to write and is Jewish (TRADUCAO: a Avigayil que sabe muito sobre filosofia e literatura – e pode te ensinar sobre esses dois assuntos -, e que gosta de escrever e é judia), ao contrário, é uma cidade onde conversão, na maioria dos casos, é algo que é um status e não um processo pelo qual você passa, entre outras razões, porque não é uma comunidade judaica grande e porque está no Brasil.
No fundo, o meu pequeno mundo é um reflexo de um quadro muito maior chamado Brasil.
Foi um choque de realidade quando eu voltei. Eu não tinha noção do quanto
o Upper West Side havia me marcado até perceber que era difícil compartilhar com os outros o que aprendi lá e o quanto aquele bairro em Nova York construiu uma forte identidade Judaica Ortodoxa Moderna e uma forte autoconfiança em mim.
É difícil ter uma identidade Judaica de background Ortodoxo Moderno num
país onde a comunidade Judaica Ortodoxa é um tanto dividida entre religiosos de
tendência haredi ou chassidish, e seculares. É como se eu estivesse com um pé em cada um desses setores, pegando o que há de melhor em cada um, sem nunca conseguir ser totalmente um ou outro. Ou seja, eu leio Bin Govin e Philip Roth, vou no Teatro da Paz, compro na loja casher local as challot de Shabbat e me visto num mix fashion entre tznius da Bais Yaakov (escolas ortodoxas tradicionais para garotas) e tznius 'academic modern orthodoxy'.
Os choques de realidade moldam a identidade Judaica de uma pessoa.
Foram os rabinos sefarditas de Belém que me permitiram dizer "Sim, sou Judia", foi Manhattan que me deu a autoconfiança necessária para responder de forma bem curta a pergunta da minha professora, mas é Belém que desperta em mim a necessidade de completar está resposta com "eu me converti ao Judaismo."
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Nina Avigayil escreve para o Blogger no jornal Times of Israel e possui um blog chamado Roteirista na Yeshiva - www.roteiristanayeshiva.com
Vc pode acompanhar as aventuras dela no Instagram (@roteirista_na_yeshiva)