Aparencias e Obscurantismo Religioso
APARÊNCIAS E OBSCURANTISMO RELIGIOSO: O QUE ME ABORRECE E O QUE ME FAZ TER ESPERANÇA.
SOBRE A PARSHAT NASSÓ, por NINA AVIGAYIL LOBATO
Eu não estava encontrando dentro de mim a faísca para ascender as velas de Shabbat dessa semana. Havia apenas um sentimento de vazio, solidão e falta de esperança dentro de mim, ou, talvez, o meu lado excessivamente dramático e sentimental estava me corroendo enquanto eu olhava o vazio da área de lazer do meu prédio.
Apesar de não me considerar uma pessoa supersticiosa ou fervorosa, os meus olhos fixaram a minha atenção na minha estante de livros religiosos assim que eu sentei no meu escritório.
Há algumas semanas eu não tinha tempo ou disposição para estudar – e não apenas ler – a porção da Torah da semana. Eu abri a Torah e – para a minha surpresa, a parshat dessa semana era a Nassó (NOTA DA ESTHER: a parashah Nasso ocorreu no inicio de Junho, eh minha culpa nao ter publicado o artigo na semana da parasha!).
A ideia de que HaShem estava rindo de mim nesse momento passou pela minha mente.
Nassó é um dos trechos da Torah que mais me marcaram. Nela se lê sobre a sotá e sobre o que Maimônides descreveu, no seu livro “O guia dos perplexos”, como fanatismo religioso ou nazir. Ou seja, dois temas interessantes, polêmicos e, fundamentalmente, humanos.
Sobre a sotá. O ritual todo é macabro (Números 5, 14:31), mas eu fico um pouquinho alegre ao saber que que – segundo os nossos sábios – este ritual nunca foi colocado em prática. Contudo, a minha alegria passa rápido quando descubro que; esta passagem está lá para ensinar às mulheres a zelar sobre sua conduta, pois é insuficiente só não fazer o mal, é necessário também evitar a aparência de fazer o mal.
Ora, a mulher de César não apenas tem que ser honesta, ela também tem que
parecer honesta! Isso me aborrece!
Na sociedade como um todo, estamos cada vez mais preocupados com a nossa aparência. Basta ver as redes sociais, todos parecem fazer um enorme esforço para parecer descontraídos, felizes, leves e maneiros para quem está do outro lado da tela. Eu acho bem mais fácil viver de acordo com as convenções e com o que os outros esperam de mim, contudo, tem uma parte de mim que resiste a essa ideia e insiste que a vida é curta demais para não se dedicar ao que de maior e melhor existe nela: a busca pela versão mais autêntica de si mesma (o).
Na comunidade judaica ortodoxa do Brasil, não apenas é necessário ser religioso, mas é necessário aparentar ser religioso, ou seja, é necessário encaixar toda a sua espiritualidade, toda a sua complexidade e toda a sua bossa em um estereótipo do que os outros Judeus – seculares e religiosos – entender como “ser religioso”.
Quase sempre este estereótipo envolve agir, pensar e se vestir como se você tivesse saído de algum gueto do leste europeu do século XIX. Tudo isso, para ser aceita (o). Para não ter as suas tranças desfeitas na frente de todos por um pretenso sacerdote que vive na sua cidade, ou seja, para não ter a sua degradação exposta para o julgamento de todos.
Nem tudo me aborrece nessa parshat, pois a mesma carrega consigo outro tema fascinante: a comunidade de nazireus. Aqueles que fogem da alegria de viver e do
gozo não são exaltados pelos nossos sábios, ao contrário, são transgressores ingratos.
Ou seja, a Torah não foi entregue aos anjos, mas sim, aos homens. E, isso, eu considero um conhecimento libertador. Não devemos nos prender em caixas (mais do que o necessário) pois a vida é curta demais. A busca pela versão mais autêntica de nós mesmos – uma busca que envolve autocrítica, humor, dúvida, conhecimento e o constante exercício da nossa coragem moral – é a essência da vida e não a mera artificialidade das aparências.
Existem nazireus no século XIX e eles impedem que os autênticos no judaísmo e entre os judeus desabrochem, trazendo consigo a luz da Torah. E os ignorantes os ajudam, porque o silêncio e a servidão lhes é natural.
Se antes eu não encontrava as faíscas dentro de mim para ascender as velas de Shabbat, depois que eu li essa parshat e fechei a minha Torah, eu encontrei chamas dentro de mim.