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Vamos Falar de Divórcio


Como funciona o lado prático do divórcio dentro do Judaísmo? Você sabe o que é uma aguná? Homens também podem se tornar "agunot"? 



DIVÓRCIO

O divórcio não é olhado como algo favorável no Judaísmo.


Fazemos de tudo para impedi-lo: aconselhamento, terapia, rezas, dizemos Tehilim, fazemos bênçãos e rezas na hora de retirarmos a poção de challah etc etc etc. Vale (quase) tudo para salvar um casamento. Mas ao mesmo tempo, a Lei Judaica não proíbe o divórcio. Algumas vezes, como em casos de violência doméstica, ele é até mesmo encorajado. 


O casamento é visto pelo Judaísmo como algo sagrado, santo e quando um casamento é desfeito através de um divórcio, nos ensina o Talmud em Sanhedrin 22a:16 que até mesmo o altar (que representa Hashem e a corte celestial) chora. 




QUANDO O DIVÓRCIO ACONTECE

Falarei agora sobre o que acontece na DIÁSPORA (fora de Israel).


O Judaísmo exige que o casamento entre um judeu e uma judia seja feito através de um contrato chamado ketubá. Tal documento é assinado por duas testemunhas durante (ou um pouco antes) da cerimônia de casamento religiosa.


Sem ketubá, sem casamento judaico. Embora com o passar dos séculos nós damos hoje em dia todo um conceito romântico a ketubá, saibam que perante a lei judaica "crua", a ketubá é um CONTRATO. Antigamente, quando o mundo era "menor e mais simples", as ketubot (plural de ketubá) descreviam as posses que os noivos traziam para construção do novo lar (dote) e até mesmo a quantidade mínima de vezes que o marido deveria ter relações sexuais com a esposa, dependendo da profissão dele. Realmente é um contrato muito sério feito entre o casal e Hashem sob supervisão rabínica e com a assinatura de duas TESTEMUNHAS (que devem ser 100% shomer Shabat e mitzvot, entre outros requisitos).  


Na Diáspora, quando judeus se casam, eles fazem o contrato de casamento civil, como qualquer cidadão do país onde moram E também fazem o contrato casamento religioso (ketubá) em uma cerimônia religiosa.


A princípio, Judeus da Diáspora possuem DOIS contratos de casamento, um civil feito no cartório e um religioso feito sob a huppá. 


Em caso  de divórcio, o documento do casamento civil é usado perante um juiz da vara civil para divisão de bens, herança e até mesmo para lidar com a custódia dos filhos. Até aí nenhuma novidade, certo? Casamento civil... divórcio civil... até aí tanto judeus quanto não judeus seguem a mesma lei, a lei CIVIL.


Mas como quebrar o contrato de casamento judaico RELIGIOSO que chamamos de ketubá? Como validar o divórcio judaico e permitir que ambas as partes estejam livres para se casar novamente perante a Lei de Moisés?


É aí que a tragédia de muitos começa.




REGRAS BÍBLICAS

Perante a Torá, um marido tem o direito de dar o GET (leia-se guet, que é traduzido como carta de divórcio) para sua esposa.


A esposa NÃO dá a carta de divórcio ao marido.


É a esposa que recebe o get.


Repitam comigo: A ESPOSA RECEBE O GET.


Sempre, eternamente, independente de situação e do país. É o marido que dá o get (carta de divórcio) para a esposa perante um beit din.


Mas no passado, havia alguns casos RAROS de maridos que estavam tirando proveito da halacha e dando o get às suas esposas mesmo SEM o consentimento delas, foi então que o Rabino Gershon ben Yehuda (965-1038) fez um decreto que proibia maridos de darem o get sem o consentimento da esposa. Rabino Gershon era ashkenazita e seu decreto começou a ser válido primeiro para ashkenazim e depois para sefaradim e hoje em dia é válido para todos os judeus do mundo.  


Sendo assim, oficialmente, nenhum marido por dar o get para a esposa SEM o consentimento dela. Mesmo que um marido queira o divórcio, se a esposa recusar RECEBER o get, o marido não poderá emiti-lo perante a um beit din e os dois continuam casados.


Estes maridos cujas esposas NÃO querem receber o get ficam são proibidos de se casar novamente e são conhecidos como AGUNIM (acorrentados) as esposas até o dia que ela concordar em receber o get. O marido pode sair de casa, dar entrada no divórcio civil, receber o divórcio civil..mas perante a lei judaica ele ainda é casado até o dia que a esposa aceitar em receber o get.




Sim, fazer parte de um POVO significa que temos que aderir às regras deste povo.


Quem quer fazer parte do povo judeu tem que aderir as regras do povo judeu.


Se você é de fora e não quer aderir, então não queira fazer parte.


Isso é válido não só para o povo judeu, mas para qualquer povo. Cada povo tem suas próprias regras sociais... seja o povo japonês, indiano, tibetano etc. O povo judeu, ao contrário de outros povos, aceita que "estrangeiros" (gerim) se tornem parte do povo e tais devem acatar com as regras estabelecidas. Não é o Judaísmo que tem que se adaptar ao ger, é o ger que tem que se adaptar ao Judaísmo.




GET

O get é a carta de divórcio, assinada por testemunhas, com supervisão rabínica e perante um beit din. 


O get é dado pelo marido para a esposa perante um beit din. Na verdade ele não é literalmente dado, mas "deixado cair" sobre as mãos da esposa. O marido deixa cair o documento do get sobre as mãos da esposa. 


Quando o marido e esposa não podem estar na mesma sala (há alguns divórcios bem violentos onde ambas as partes não podem ficar juntas, as vezes até mesmo sob restrição policial), então a esposa vai para outra cidade (halachicamente, o conceito de 'outra cidade' deve ser explicado por um rabino) enquanto o marido assina o documento perante o beit din.


Quando ele vai embora, o beit din liga para a esposa e informa que ela pode vir receber o get. 


A esposa vai a sala do beit din, onde o eles lêem alguns textos que fazer parte do ritual de divórcio e um dos rabinos deixa cair o get nas mãos dela. 


Assim que este documento cai nas mãos da esposa e ela o recebe, o casal está 100% divorciado pela lei judaica e livres para se casar novamente.


O texto do get descreve a data, cidade, nomes de todos os envolvidos e MAIS OU MENOS as palavras "que eu (o marido, no caso) libero e divorcio para que você (a esposa) esteja livre e permitida para ter autoridade sobre si mesma para ir e se casar com quem você quiser. Ninguém pode se opôr a isso a partir de agora e você está permitida a se casar novamente. Esta carta deve ser de mim para você como um documento de absolução, livramento e liberdade de acordo com a Lei de Moisés e Israel".


Como eu sei disso? Porque infelizmente já acompanhei de perto amigas que receberam o get e como algumas falavam hebraico, me disseram o que estava escrito. Com uma delas, eu fui até o beit din com ela para dar apoio moral. Amigos e parentes não são permitidos na sala com o beit din... nós, amigos e parentes, ficamos do lado de fora, na sala de espera.



E SE A ESPOSA SE RECUSA RECEBER O GET DO MARIDO??????

Sem o get, o casal está PROIBIDO de se casar novamente. 


Se o marido quer se divorciar da esposa e ela se recusa a receber o get...então o marido está "acorrentado" a esposa até o dia que ela receber esse get. 


Ele está proibido de se relacionar com qualquer mulher perante a Lei Judaica. E caso ele quebre a Lei e se relacione (namore) alguma mulher antes de se divorciar da esposa, saibam todos que tal homem está proibido de se casar com a nova namorada. Ele é considerado CASADO pela LEI JUDAICA e nenhum Rabino no mundo irá casar um homem que não finalizou o divórcio religioso (get).


A "namorada" de um homem casado pela LEI JUDAICA é mal vista dentro da comunidade. Em comunidades religiosas, tal coisa não acontece à luz do dia, ou seja, se algum homem casado pela LEI JUDAICA quer manter um relacionamento às escondidas, ele tem que esconder muuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuito bem, pois se descobrirmos, ambos serão mal vistos. 




ASSINATURA DE 100 RABINOS PARA SALVAR O HOMEM

Como não há nada na Torá sobre esposa dar o get ao marido, há uma solução para os maridos que se tornaram agunim (acorrentados): conseguir a assinatura de 100 rabinos que residam em localidades diferentes (em 3 países diferentes) que testemunhem que não há mais condições dele permanecer casado com a esposa. Tal esposa recusa receber o get por motivos não legítimos (as razões dela sçao maliciosas) ou que a saúde mental ou física (estado vegetativo) da esposa a torna incapacitada de receber o get. Assim, o marido está livre para se casar novamente.


Tal procedimento é chamado Heter Meah Rabbanim (que pode ser traduzido literalmente como 'Dispensa de Cem  Rabinos').


Este documento permite que o marido se case novamente, mesmo sem a carta de divórcio.


Não é fácil conseguir convencer 100 rabinos a assinar tal documento... os 100 rabinos precisam conhecer o caso a fundo, verificar quem está falando a verdade etc.


Mas se tudo estiver legítimo, ou seja, se for comprovado que a esposa recusa receber o get pelos motivos citados acima, é possível que tal documento seja feito e que o homem o leve a um beit din e seja finalmente liberto da antiga esposa.


Tal coisa é permitida porque segundo a halacha, o homem é permitido a exercer a poligamia (ter mais de uma esposa). Embora um decreto feito pelo Rabino Gershon ben Yehuda (o mesmo que proibiu o marido dar o get a esposa sem o consentimento dela) tenha proibido a poligamia, fato é que com um Heter Meah Rabbanim o homem judeu pode adquirir uma segunda esposa.  


Mulheres, pela halacha, tem que ser monogâmicas (ter somente um marido), então não existe Heter Meah Rabbanim para elas. 


Só repetindo: o Heter Meah Rabbanin não é uma carta de divórcio, mas uma permissão para que o homem tenha uma segunda esposa.


Mas deixo claro: isso é raríssimo de acontecer. 


Eu não encontrei nenhum caso mencionado em jornais que citem o nome de algum homem que conseguiu o Heter Meah Rabbanim. Isso mostra como é difícil conseguir tal licença.


Não sei de números, mas sei que há muitos homens judeus que são agunim neste exato momento. 




E QUANTO A MULHER?

O QUE ACONTECE QUANDO O MARIDO SE RECUSA A LHE DAR A CARTA DE DIVÓRCIO?



Como disse acima, a lei judaica permitia no passado que um marido tivesse mais de uma esposa e não o contrário.


Sendo assim, não há absolutamente nada na lei judaica que ajude uma mulher quando o marido se recusa a lhe dar a carta de divórcio.


Repito: caso um homem judeu se recuse a dar o get para sua esposa, esta mulher está ACORRENTADA a ele pelo resto da vida. Ela jamais poderá se casar novamente pela lei judaica e caso ela saia com algum homem ela se torna uma mulher adúltera pela lei judaica. Qualquer filho que ela tiver será considerado um mamzer (filho de mulher que cometeu adultério).


"Mas Esther, isso é tão injusto", eu sei, eu sei. Mas é assim que é. 





AGUNOT, MULHERES ACORRENTADAS AOS SEUS MARIDOS


Agora a catástrofe começa.


Aguná é uma palavra hebraica que significa 'acorrentada'. Agunot é o plural de aguná.


Quando o marido se recusa a dar o get para a esposa perante um beit din, a mulher automaticamente se transforma em uma aguná. 


Mesmo que ela se mude para outra residência, mesmo que o divórcio civil esteja finalizado, ela continua pela lei judaica acorrentada ao seu marido.  


A aguná está proibida de se casar novamente pela lei judaica e até mesmo de namorar (caso ela for religiosa ela seguirá a lei, algumas judias não religiosas não ligam e se tornam adúlteras pela lei judaica). Caso ela tenha um filho com algum homem que não é seu marido, independente se o homem é judeu ou não, tal criança entra dentro do status de mamzer, filho de mulher adúltera. 


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