Adultério e Judaísmo

Vamos falar de adultério, ou melhor, como esse assunto é visto e tratado de acordo com o código de Lei Judaica.
Shemot (Exodus) 20:13 "Não Cometerás Adultério"
O adultério, dentro da lei judaica, é um termo dirigido à relação sexual com MULHERES JUDIAS CASADAS. A mulher que traiu seu marido com um amante se torna uma adúltera, pela lei judaica. O amante também é passível de punições (espirituais) e antigamente, tanto a mulher adúltera quanto o amante estavam passíveis da pena de morte.
Por outro lado, um homem judeu casado que tiver um relacionamento físico com uma mulher SOLTEIRA, não comete adultério segundo a lei judaica. Isso acontece porque em termos bíblicos, homens judeus podiam ter mais de uma esposa ou concubinas. A proibição da poligamia é uma proibição RABÍNICA.
PORÉM DEIXO CLARO que é inadmissível dentro da comunidade judaica que um homem casado tenha relacionamento extra conjugal com mulheres solteiras. Se tal desgraça acontecer, o casal sofrerá uma imensa vergonha e em certos casos, podem até ser socialmente excluídos (ninguém vai querer ser amigo deles) de suas comunidades.
Ao mesmo tempo, também deixo claro a Torá JAMAIS encorajou a poligamia e sempre deixou claro que casamentos poligâmicos carregam problemas.
O casamento monogâmico é o tipo de casamento ideal e criado diretamente por Deus na figura de Adão e Eva.
O ápice do bom exemplo monogâmico é visto no único patriarca que foi foi considerado uma "oferenda perfeita": Yitzhak que se casou com uma só esposa, Rivkah.
Todos os homens descritos na Torá e demais livros do Tanach que praticaram a poligamia enfrentaram problemas e consequências seríssimas. Abraão, Jacó, Eisav, Elkana, Rei Davi, Rei Salomão... a lista é longa.
O casamento ideal é o monogâmico.
VOLTANDO A HALACHA - MULHERES
Talmud Sotah 26b - Uma mulher judia casada que comete adultério está proibida de morar com o marido. Ambos devem obrigatoriamente se divorciar. É halacha.
A adúltera está proibida pela lei judaica de se casar com o homem com quem ela cometeu adultério. Sendo assim, se uma mulher planeja cometer adultério para que o marido se divorcie dela, nenhum rabino no mundo irá casar a adúltera com o amante.
Filhos que foram gerados do adultério da mulher casada recebem o triste status religioso de mamzer (no plural, manzerim), que significa bastardo(a).
O mamzer está proibido de se casar com judeus de nascimento, mas pode se casar com alguém que se converteu ao Judaísmo. A razão é descrita em Deuteronômio 23:3, que diz que um manzer está proibido de se juntar a congregação de Deus, até a décima geração. Como a pessoa que se converteu ao Judaísmo vem de "fora" da congregação, então para o mamzer seria tipo um novo começo dentro da congregação.
O adultério era uma falta tão grave na lei judaica que em tempos bíblicos tanto a adúltera quanto o homem que se deitou com ela se tornavam passíveis da pena de morte (Números 5:11-31).
Para que uma mulher seja considerada adúltera, a halacha exige que duas testemunhas válidas (pessoas que tinham que estar sob certos critérios, como não ter desejo de vingança contra a suspeita de adultério, serem pessoas fidedignas etc) tivessem visto a mulher e seu amante e que os tivessem alertado em termos bem específicos.
AJUDANDO MAMZERIM
Rabinos de todas as gerações tem feito de tudo para evitar que indivíduos sejam considerados mamzerim.
Se a mulher tiver concebido a criança contra a vontade (se ela foi vítima de estupro, por exemplo), se ela não tiver plenas faculdades mentais, entre outros motivos, os rabinos levam em consideração e fazem de tudo para evitar que a criança seja considerada uma mamzer.
CASOS ONDE A MULHER NÃO É CONSIDERADA ADÚLTERA
Na lei judaica, somente uma mulher 100% ciente do que está fazendo e que comete o ato de livre e espontânea vontade é considerada adúltera.
Se uma mulher casada foi vítima de estupro ou forçada por uma autoridade a abandonar o marido sem um divórcio, ela não é considerada adúltera.
FORÇADA POR UMA AUTORIDADE?
Baruch Hashem isso não acontece mais nos dias de hoje (pelo menos não no Ocidente), mas antigamente era comum que senhores feudais, generais de grandes exércitos, reis, príncipes e qualquer homem que tivesse a autoridade de decretar a morte sobre seus súditos desenvolvessem desejos carnais para com mulheres casadas.
Se um destes homens portadores de autoridade raptassem uma mulher casada ou lhe dessem o ultimato "Deite-se comigo ou sua família/cidade/vila etc sofrerão consequências" a mulher (fosse ela judia ou não) não tinha escolha.
Na verdade, ela tinha: cometer suicídio. A lei judaica ensina uma pessoa pode cometer suicídio para evitar três situações: adultério, idolatria e assassinato (um judeu pode cometer suicídio caso ele tenha sido ordenado por uma autoridade a assassinar alguém).
Mas... falar em suicídio é uma coisa... fazer é outra. E em certas ocasiões, homens portadores de autoridade deixavam claro a mulher a todos que a conheciam que se ela não se submetesse a ele ou que desaparecesse (fugisse ou cometesse suicídio) sem deixar paradeiro, todos sofreriam...incluindo família, filhos e até mesmo o marido, que poderia ser morto... enfim... a vida no passado era beeeeem diferente da de hoje... autoridades militares ou políticas se sentiam até mesmo no direito de ordenar que uma mulher que se casou fosse entregue a eles antes da noite de núpcias com o marido...
A história da lendária heroína de Chanuká, Yehudit, ilustra essa situação... o general grego da época tinha dado uma ordem em que todas as garotas judias que se casassem fossem entregues a ele logo após a cerimônia para serem estupradas e no dia seguinte seriam devolvidas aos seus maridos. Quando Yehudit, filha do Cohen Gadol, se casou, ela também tinha que se submeter ao general. Só que ela foi a tenda dele armada com comidas e bebidas... o general, antes de tomá-la, comeu e bebeu e quando dormiu, ela o matou e aí começou a revolta dos judeus contra os gregos.
Mulheres que não tiveram a mesma sorte de Yehudit, mas que foram obrigadas a se submeter a uma autoridade ou que foram vítimas de violência sexual não são consideradas adúlteras.
HOMENS - TOLERÂNCIA BÍBLICA E PROIBIÇÃO RABÍNICA
A Torá tolera a poligamia e os motivos não são exatamente carnais, mas sociais.
Em primeiro lugar, ressalto que a lei judaica estipulava que o marido que quisessem mais de uma esposa deveria conceder os mesmos direitos financeiros a todas as esposas, o mesmo direito de relacionamento físico (relações maritais) com cada uma delas, que os filhos de todas deveriam ter os mesmos cuidados (exceto o primogênito, que recebia uma parte maior da herança e o mais novo, que era o responsável por cuidar dos pais) etc.
A poligamia não era uma desculpa para imoralidade. Somente homens que tinham condições financeiras generosas podiam obter mais de uma esposa.
Antigamente, a poligamia também tinha um caráter social, ou seja, se um homem tivesse várias esposas, era possível que cada criança identificasse quem eram seus pais. Saber a paternidade de uma criança era primordial para definir herança e negociações do futuro financeiro da família.
Se uma mulher tivesse vários maridos, seria impossível definir a paternidade e a confusão destruiria não só a família, mas como os pilares da sociedade judaica, que era tribal (o Judaísmo passa de mãe para filhos, porém o status cultural/tribal passa de pai para filhos) seriam destruídos.
Além do mais, como em tempos bíblicos judeus estavam constantemente em guerras, era óbvio que havia mais mulheres do que homens... e proibir a poligamia era praticamente aniquilar as chances de casamento de uma boa parte das mulheres...
RABENU GERSHON BEN YEHUDA, A LUZ DO EXÍLIO
Rabino (alguns o chamam Rabenu) Gershon ben Yehuda viveu na Alemanha entre os anos 960 e 1068 da Era Comum. Foi ele que criou um edito que proibia a poligamia.
Entre aproximadamente 220 da Era Comum até o século 10, os maiores centros de aprendizado judaico estavam na Babilônia, atual Iraque. Foi lá que a maioria das discussões que aparecem no Talmud Babilônio que estudamos até hoje, aconteceram.
Com o declínio e final destruição das comunidades da Babilônia, Rabinos de outras localidades começaram a consolidar suas yeshivas, estabelecer suas próprias autoridades haláchicas e a ensinar o Talmud segundo sua própria interpretação halachica.
Sepharad (Península Ibérica), Ashkenaz (Leste Europeu), França (ponte entre Espanha e Alemanha e lar de Rashi, o mais famoso comentarista bíblico) e comunidades localizadas em países que viviam sob regime político islâmico começaram a desenvolver suas próprias opiniões.
Em seu tempo de vida, Rabino Gershon ben Yehuda era a maior autoridade halachica de Ashkenaz (região que hoje conhecemos como Alemanha).
Rabino Gershon criou 4 inovações haláchicas revolucionárias no século 11, que selaram a diferença entre a halacha de Ashkenaz e demais comunidades.
As 4 inovações eram:
1. Ele fez um edito que PROIBIA a poligamia, o que foi visto como uma revolução na época já que o Talmud permitia que um homem tivesse até 4 esposas ao mesmo tempo, contanto que pudesse trata-las de forma igual.
2. Uma mulher teria o direito de ser consultada previamente e de recusar o pedido de divórcio do marido. Até então, se o marido quisesse divorciar a esposa, ela não tinha outra opção senão aceitar a decisão calada.
3. Fica totalmente proibido abrir a correspondência de outra pessoa, e quem o faz, é considerado como cometedor de uma transgressão, um pecado, por assim dizer. Isso garantia não só a paz num âmbito social, mas no profissional também.
4. Ele proibiu que Judeus lembrassem a Judeus que tinham sido forçados a se converter ao Cristianismo de seu passado. Se algum judeu que foi forçado a se converter chegasse a alguma comunidade de Ashkenaz e de qualquer país que aceitasse a autoridade de R. Gershon, tal judeu deveria receber a chance de se integrar novamente a comunidade judaica.
SEFARADITAS, MIZRAHIM E POLIGAMIA
Sefas, Mizrahim e judeus da extinta Babilônia continuaram como eram antes: praticando a poligamia.
Com o passar dos séculos e avanço da pressão cristã sobre a Península Ibérica, judeus espanhóis (e presumo que portugueses também) deixaram a poligamia.
Porém, judeus mizrahim (provenientes de países árabes, digamos assim) continuaram praticando a poligamia até poucas décadas atrás.
Com a criação do Estado de Israel em 1948, alguns judeus vieram de países árabes com suas esposas. Não havia nada a ser feito a não ser esperar que o tempo tomasse conta da situação.
O Estado de Israel considera a poligamia um ato criminoso, então quem já veio casado com mais de uma esposa continuou vivendo sua vida poligâmica até o fim e judeus que nasceram dentro do Estado de Israel a partir de 1948 ou que vieram com somente uma esposa, foram obrigados a seguir a lei civil do país.
MARIDO QUE NÃO ACREDITA NO ADULTÉRIO
Como isso aqui é um blog e não um curso de halacha, vou escrever algo que ouvi, mas que nunca procurei referência... mas me disseram que se um marido não quiser se divorciar da esposa adúltera, ele pode procurar por soluções no beit din, mesmo que seja declarar que não aceita e não acredita nas testemunhas... se o marido não acredita nas acusações, então ele não tem motivos para se divorciar da mulher... consulte seu rabino para saber se essa história tem fundamento ou se é só um "caso do acauso" que me contaram... realmente não sei...
Porém...... mesmo que seja verdade, na prática eu nunca li, vi ou ouvi falar de um caso assim. Infelizmente adultério existe até mesmo dentro da comunidade judaica e quando uma mulher é pega praticando-o, o marido a divorcia o mais rápido que ele pode. A vergonha o obriga.
Há poucos judeus no mundo... e praticamente todo mundo conhece todo mundo... é impressionante o fenômeno que chamamos de "geografia judaica", que seria a capacidade de que todos os judeus do mundo se conhecem de alguma maneira...estamos separados por 1 ou no máximo 3 pessoas até encontrarmos alguém que nos conheça pessoalmente... sendo assim... se o adultério se tornou de conhecimento da comunidade judaica onde o casal mora, basicamente, de uma maneira ou de outra, outras comunidades acabam sabendo... enfim... é complicado.
O Judaísmo nunca proibiu o divórcio. E se uma esposa sente repúdio pelo marido e não vê a mínima chance de reconstruir o casamento, é aconselhável que ela se divorcie e reinicie a vida com a consciência limpa.