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Review Netflix = Minha Vida Nada Ortodoxa (My Unorthodox Life)




Vi, não gostei e farei uma review honesta a respeito de Minha Vida Nada Ortodoxa (My Unorthodox Life), o novo reality show da Netflix.


Esse post contém spoilers.



DESCRIÇÃO DA SÉRIE

My Unorthodox Life é um tipo de reality show estilo Keeping Up With the Kardashians e Real Housewives. Cada episódio segue o dia a dia de Julia Haart, 50, CEO (Chief Executive Officer) da Elite Models. O reality conta com a participação dos quatro filhos de Julia, genro, marido, ex-marido e outras pessoas que fazem parte da rotina da empresária.


No primeiro episódio, Julia conta que cresceu em uma comunidade yeshivish (você pode conhecer mais sobre os yeshivish aqui https://www.vidapraticajudaica.com/single-post/2015/10/14/Grupos-Judaicos) em Monsey, NY.


Ela fala das frustrações que tinha em ser mulher dentro da comunidade, descrevendo que mulheres são tratadas como "cidadãs de segunda classe", reclama das exigências em vestimenta feminina e como tudo gira em torno dos homens...por exemplo, uma mulher não pode vestir da maneira que quer por causa dos homens, não pode cantar por causa dos homens, não pode isso e aquilo e mais um pouco por causa dos homens etc etc etc.


Ela conta uma história a qual eu nunca ouvi falar, mas que pesquisei a respeito e achei a referência... a história de que lá ensinam que há um inferno somente para mulheres que não se vestem "tzinias", onde a mulher que não se cobre direito vai pra um inferno onde ela é vestida com roupas de ácido... e a mãe vai junto porque ela nunca ensinou a filha em como se vestir direito. Well... eu sou ortodoxa há quase 15 anos e nunca ouvi ou li sobre isso, mas pesquisei e me disseram que isso é uma história bem antiga, onde um certo rabino (em outra versão, é a esposa de um rabino) que ninguém sabe o nome, disse que sonhou com um lugar assim e ao acordar, ele concluiu que aquilo só podia ser o gehinom (um tipo de inferno) das mulheres que se rebelam contra as regras de tziniut da comunidade onde ela mora.


Julia não expressa nenhuma timidez ao falar sobre seu ressentimento contra a comunidade ortodoxa.


Ela diz que como a comunidade não estimula mulheres a estudar, ela arrumou um emprego de vendedora de seguros, que lhe permitiu juntar dinheiro para o "dia da fuga". Em uma entrevista que não é citada no reality show, ela diz que planejou sua fuga por longos 8 anos. Eu procurei por posts de mulheres que conheceram Julia pessoalmente e conviveram com ela em Monsey, e todas dizem que ela trabalhava também como professora de uma das escolas locais, o que não é mencionado no reality.


Aos 43 anos de idade, somente 4 dias depois do casamento de sua filha Batsheva, Julia foge e leva consigo sua filha mais nova, Miriam, que na época tinha 13 anos de idade. Os filhos e família ficaram em choque dessa fuga, pararam de falar com ela por um tempo, mas depois se acertaram. Pelos depoimentos de ex-amigas de Julia, aparentemente somente os pais dela se recusam a falar com ela, mas todo o resto da família a aceitou do jeito que ela quer ser.


Nenhum detalhe é dado sobre como Julia se aproximou dos filhos e nem como exatamente ela foi do nada a CEO da Elite Models em apenas 6 anos. Essa foi uma grande falha do reality...pois ninguém pode usar a história dela como inspiração se ninguém sabe o que aconteceu. Só sabemos que ela está lá, bela, magra e luxuosa, sem nenhum detalhe da curta jornada profissional.


Eu tenho que confessar que não assiti a todos os episódios... well... não curto reality shows. Mas mesmo não vendo tudo, deu pra perceber que houve sérias falhas na produção... por exemplo, muitos dos diálogos pareciam ensaiados... as crises não pareciam reais (as duas filhas de Julia, em alguns momentos, trocam farpas uma com a outra, mas... não soou realista). Mas...devemos manter em mente que jamais devemos levar reality shows a sério.




Julia Haart, 50, ex-ortodoxa e atual CEO da Elite Models



JULIA HAART X ORTODOXAS DE INSTAGRAM

Imediatamente depois do lançamento do show, uma enxurrada de posts de judias ortodoxas surgiu em todas as mídias sociais reclamando de Julia.


99% delas reclamam que a descrição que Julia dá sobre comunidade ortodoxa como um todo é errada, e que elas, como mulheres ortodoxas, gozavam de plena liberdade, assim como tinham educação secular, eram felizes e algumas (maioria, na verdade) vestiram suas melhores roupas e sapatos (porque não dá pra reclamar de um ícone fashion vestindo mulambos) para fazer selfies glamorosas, onde descreveram suas carreiras de sucesso que variavam de advogadas a blogueiras...


Até hoje é possível encontrar novos posts feitos por ortodoxas reclamando de Julia.


Hmmmm...o motivo que vocês lêem meu blog é pela honestidade de meus posts, certo? Eu tenho que dizer a vocês que essa enxurrada de lindas ortodoxas de Instagram descrevendo a plena liberdade que possuem é tão recheada de bias (viés, opinião tendenciosa que favorece ou desfavorece algo ou alguém injustamente) quanto a descrição que Julia faz de sua vida na ortodoxia. Em poucas palavras, ambas as partes estão exagerando e não explicam como as coisas realmente são.




EXAGEROS DE JULIA

Julia Haart exagera MUITO nas queixas da vida ortodoxa que tinha. Ela diz que não tinha dinheiro...o que não é verdade, pois ela tinha dois empregos... tudo bem que professores ganham mal, mas o problema é que ela disse que não tinha nada, quando na verdade tinha um pouco. Ela diz que mulheres são criadas para se casar e que se tornam máquinas de fazer bebês. Ela reclama da falta de educação secular (matemática, ciências etc). E repete o tempo todo que a comunidade ortodoxa é fundamentalista.


Ela se esquece de descrever todas as vantagens de se viver em uma comunidade ortodoxa, por exemplo, as infinitas expressões de chessed (bondade), confiança, ajuda em todos os sentidos, cooperação, união e amizades sólidas que pode-se formar lá dentro.


Há poucos ortodoxos no mundo (cerca de 20% da população judaica mundial), então nos ajudamos bastante porque... se não o fizermos, quem o fará?


Julia não descreve o que exatamente aconteceu durante os anos que viveu em Monsey (ela vai lançar uma biografia ano que vem, onde dará sua versão dos fatos), mas tenho certeza que nada foi tão ruim quanto ela deixa transparecer no show. O maior indicativo disso é a forma como ela fala de seu primeiro casamento e do medo editado que uma das filhas tem do pai... aí e então, o ex-marido de Julia, pai de seus 4 filhos, finalmente aparece na tela e... ele é um tiozinho adorável!!! Se o reality show fosse sobre ele, seria muito mais legal, porque ele é uma pessoa que a gente vê e já gosta, totalmente amigável. Ele parece ser super bacana, mente aberta, simpático, ri com os filhos, mantém um relacionamento muito amistoso com Julia ao ponto de ir na casa dela... dá pra ver no rosto dos filhos que ninguém ali tem medo desse homem e embora morem longe, o contato entre eles é bem saudável porque o pai respeita os filhos e os ama do jeito que eles são.




EXAGERO DAS ORTODOXAS DE INSTAGRAM

Mas ao mesmo tempo que eu digo que Julia exagera, eu tenho que dizer também que a vida da mulher ortodoxa tem seus barrancos, lombadas, estradas pedregosas e muros altos. Alguns intransponíveis. Mas não é assim a vida de todos, independente da religião que possuem?


E é essa estrada pedregosa que muitas ortodoxas de Instagram estão deixando de comentar a respeito. Eu entendo exatamente porque elas estão falando da vida ortodoxa como se tal fosse a expressão do céu na Terra, mas... falta um pouco de coerência.


A vida da mulher ortodoxa só é boa se ela seguir os seguintes passos:


a) escolher ser ortodoxa de livre e espontânea vontade e não porque a família mandou


b) viver em uma comunidade que mantém os mesmos valores que consideramos importantes (pois se uma mulher viver em uma comunidade que tem valores diferentes dos dela, ela será isolada, discriminada, lhe faltarão o respeito e ela vai surtar)


c) ter uma família equilibrada


d) ter um ótimo marido e caso o casamento termine em divórcio, o marido é compreensivo e dá o divórcio a mulher sem problema nenhum


Se a ortodoxa marcar um sinal de positivo em todos estes quesitos, SIM, A VIDA DELA SERÁ MARAVILHOSA. Mas se nada do que está escrito acima reflete a realidade da ortodoxa, então a vida dela é um inferno na terra. Simples assim.


Por isso os argumentos de convertidas e baal teshuva deve ser visto como um pouco de bias... as moças que são baalat teshuva e as convertidas ESCOLHEM exatamente o modo de vida que querem levar. Por exemplo, eu cubro meus cabelos por escolha própria... escolhi cobrir os cotovelos, joelhos e osso, na comunidade que eu ESCOLHI morar é permitido smartphone, eu NÃO tenho televisão por escolha própria, mas se eu quisesse, a minha comunidade permite, na minha comunidade podemos ter internet, eu POSSO usar sandálias abertas na minha comunidade se eu quiser, enquanto em outras, isso é proibido e mulheres devem usar sapatos fechados o tempo todo, se um dia eu quiser usar uma saia que mostre os joelhos, ninguém da minha comunidade irá reclamar, se um dia eu decidir descobrir os cabelos definitivamente todos irão estranhar, mas ninguém irá reclamar... tipo...eu tenho a liberdade de ser quem eu quero ser, pois vivo em a vida de uma maneira que eu escolhi e por isso sou feliz. Isso vale pra todas as baalat teshuva e geyores (convertidas).


Isso o que citei acima é válido para todas as comunidades ortodoxo-modernas.


Agora... se eu me mudasse pra uma comunidade que me proibisse de usar internet, mandasse eu vender ou quebrar meu smartphone, ditasse o jeito que eu tenho que cobrir os cabelos, ditasse as cores de roupa que eu devo usar... peraí.... eu não seria feliz lá.


Em resumo, a mulher ortodoxa tem liberdade se ela ESCOLHER a comunidade correta para ela e família.


No mais...algumas coisas que Julia Haart falou realmente são verdade, como por exemplo, vários conceitos da vida religiosa giram em torno dos homens e mulheres são vistas como "segunda classe". Agunot (plural de aguná) que o diga. Não sabe o que é uma aguná? Leia meu post a respeito https://www.vidapraticajudaica.com/single-post/2018/07/24/Vamos-Falar-de-Div%C3%B3rcio


E mesmo hoje em dia, no ano de 2021, várias das 'ortodoxas de Instagram' sofrem preconceito de certos grupos judaicos por se exporem online... blogueiras como eu, também somos vistas com desconfiança... e as que cantam devem repetir milhares de vezes que seus vídeos são só pra mulheres (embora os vídeos delas no Youtube não escolham o gênero de quem os vê) porque se não repetirem, a comunidade delas as colocará em uma situação muito difícil... tipo... estamos em 2021 e é verdade que a vida ortodoxa impõe muitas limitações na conduta e comportamento feminino.


Embora judias não sejam máquinas de fazer bebê, o que seria forçá-las a ter filhos contra a vontade, o que realmente acontece é que judias são muito, mas muito pressionadas a ter filhos (isso vale para o casal, não só para a esposa). Essa pressão vem desde a infância. Uma judia ortodoxa casada encara uma pressão enorme pra ter filhos logo... tipo... dois anos sem ter filhos e todo mundo mostra preocupação, três anos e todo mundo já está sendo dizendo as coisas mais incovenientes para ela, cinco anos sem ter filhos e ela se torna a lenda urbana do bairro e amigas começam a esconder a gravidez delas por medo de mau olhado... dez anos e a judia sem filhos se tornou o tabú da comunidade... o povo a trata cordialmente, mas... as diretas e indiretas estão e sempre estarão lá. Sempre foi assim e sempre será, pois ter filhos é um dos fundamentos da fé judaica, como aprendemos no Tanach e Talmud. Judias são preparadas desde a infância a se tornarem matriarcas. Em resumo, embora o termo 'máquina de fazer bebê' seja incorreto, a pressão pra ter filhos é enorme. Felizmente tanto preparo faz com que a maioria das judias dê boas vindas a ideia de ter muitos filhos. Mas... há as que não se sentem confortáveis com a ideia e preferem só dois ou três... e dependendo da comunidade onde tais judias moram, elas são vistas como 'menos eficientes' que as vizinhas com 7, 10, 12 crianças em casa.


Mas pelo menos não estamos na Idade Média, onde sefaraditas proibiam que se colocasse o nome de mulheres nos seus túmulos, porque não consideravam escrever o nome de uma mulher em público tziniut... veja bem... (informação do livro Pious and Rebelious: Jewish Women in Medieval Europe ... apesar de focar na Europa, traz informações sobre comunidades sefaraditas da Idade Média - https://www.amazon.com/Pious-Rebellious-Medieval-Institute-European/dp/1584653922/ref=sr_1_1?dchild=1&keywords=jewish+women+medieval+middle+ages&qid=1626804504&sr=8-1)





MONSEY (leia-se Montsei)

Monsey é uma pequena cidade no interior do estado de Nova York, dentro da jurisdição de ROCKLAND COUNTY (procure no Google Mapas para ver).


Rockland County possui aprox. 90 mil judeus. Sim, é isso mesmo que você leu. É como se TODOS os judeus do Brasil, que estão entre 90 e 100 mil, morassem na região de Campinas, no interior do estado de São Paulo.


Nas proximidades de Monsey, encontramos comunidades judaicas diversas, como por exemplo, Kiriat Joel, que é uma comunidade exclusivamente Satmar, que possui aprox. 20 mil habitantes e onde yidish é a língua falada no dia a dia e New Square que é a comunidade hassídica Skever.


Tendo tantos judeus, encontramos diferentes tipos de judeus em Monsey, no entanto, a maioria são ortodoxos que usam "preto-e-branco", ou seja, ortodoxos beeeem tradicionais.


Há trocentas yeshivas, restaurantes casher, sinagogas e tudo mais o que você pensar na vida judaica por lá.




PORQUE NINGUÉM GOSTOU DESTE REALITY SHOW

Não importa se o judeu é Reformista, Ortodoxo, Dati ou até mesmo se a pessoa que assiste a série não é judia, a conclusão que a maioria tem é a mesma: não gostaram de My Unorthodox Life.


O principal motivo é o fragmento da personalidade de Julia Haart mostrada no show. Falo em fragmento porque eu tenho esperança que ela é mais legal em pessoa do que o que é mostrado no show.


No reality show, Julia é mostrada como uma pessoa que não compreende valores alheios, somente a opinião dela basta, não consegue nem ouvir outras opiniões, literalmente força todo mundo a ter a mesma visão religiosa que ela (ironicamente, ela age como uma mulher fundamentalista, o que é mostrado quando ela faz de tudo para convencer seu filho mais novo de largar a vida ortodoxa), passa por cima de quem estiver pela frente e mostra comportamento (pelo menos na minha opinião) vulgar. Ou sela, nada classy.


É possível ser uma ícone do mundo da moda, conhecida como o próprio diabo em pessoa, e ainda ser considerada classy?


Sim. Anna Wintour, editora chefe de revista Vogue EUA, que o diga.



Anna Wintour, Editora Chefe da Vogue americana é a mulher mais respeitada na indústria da moda em caráter mundial

O filme O Diabo Veste Prada foi inspirado nela e em suas assistentes. Uma mulher de classe.





Julia Haart, em cena de Minha Vida Nada Ortodoxa (My Unorthodox Life)



Voltando em My Unorthodox Life.... a personalidade de Julia causou antipatia, pois em várias cenas ela parece ser a vilã do reality em vez da heroína. Aí... os telespectadores não se identificam com ela. Muito pelo contrário, a maioria das pessoas que assistem o show ficam contra ela, principalmente quando ela força a opinião dela sobre os outros.


Agora... tudo pode ter sido erro na edição de vídeo... tipo... imagina se alguém filma você e sua família por 24 horas durante uma semana... aí a pessoa que filmou decide cortar todas as cenas em que você é legal e mostra para o mundo somente as cenas em que você está de mau humor?


Devido ao poder do editor de vídeos, eu vou dar o benefício da dúvida para Julia Haart e pensar que há uma mulher bacana embaixo de toda a capa de chatice mostrada no show.


O segundo maior problema do show são as mentiras e exageros que Julia e sua família contam... tipo... pelamor...


O terceiro problema são, como disse no começo do post, os diálogos aparentemente ensaiados e comportamento nada espontâneo.